Páginas

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O 9 de Fevereiro de 1926 em Piancó

A marcha desencadeada no estado do Rio Grande do Sul no dia 28 de outubro de 1924 ao inicio de 1927, que percorreu cerca de, 25 mil km denominada Coluna Prestes, constituiu-se na maior marcha da historia mundial.

Tinha como principais objetivos: percorrer grande parte do território brasileiro (principalmente interior), incentivando a população a se rebelar contra o governo e as elites agrárias. O objetivo era derrubar o governo do presidente Arthur Bernardes (1922 a 1926); implantar o voto secreto e o ensino fundamental obrigatório no Brasil e acabar com a miséria e a injustiça social no Brasil. A Coluna Prestes formada, em sua maioria, por dissidentes do Exército e comandada pelo tenente Luiz Carlos Prestes, pretendia derrubar o poder constituído, arregimentando seguidores em todas as regiões brasileiras, com conflitos registrados nos Estados de Pernambuco, Bahia, Piauí, Ceará, Maranhão, entre outros. O descaso da Administração do Presidente Washington Luiz (1926 a 1930) para com os nordestinos era a bandeira de luta dos revoltosos. 
O grupo rebelde utilizava-se de forças para conseguir a sua manutenção. Tomava alimento e outros pertences das comunidades, notadamente onde não encontrava resistência policial, apregoando tal atitude como um direito de sobrevivência. Esse comportamento revoltava os saqueados e provocava o abandono das casas de famílias incluídas na rota dos seguidores Prestistas, como passaram a ser conhecidos. 
Na Paraíba a penetração do grupo revolucionário foi pacifica a exceção de sua chegada em Piancó, que ocorreu no dia 09 de fevereiro de 1926. Antes, porém, quando do acampamento em Coremas, coube ao Capitão Pires fazer o reconhecimento da próxima cidade que, de acordo com informações previas não colocaria obstáculos à passagem da marcha. Acabou sendo surpreendido em um piquete coordenado pelo Sargento Arruda, alvejado com tiros de rifles, saindo ferido e presenciado a morte de seu cavalo. Esse fato provocou a ira do Q. G. acampado que de pronto decidiu por uma varredura completa, sem piedade contra a localidade em evidencia. Piancó dispunha apenas de 12 praças um cabo, um sargento, 30 paisanos e 2 oficiais (Manuel Marinho e Antônio Benicio). O governador do Estado João Suassuna, solicitou ao deputado Padre Aristides, chefe político do município, que convocasse a população e se unisse às forças policias, na defesa do lugar. 
Em telegrama enviado ao parlamentar, o Chefe do Executivo Estadual informou que o grupo dos rebeldes era reduzido, faminto, sem munição suficiente e que um grande reforço policial estava sendo encaminhado ao Vale para se unir a resistência. Um dia antes do ataque o Padre dividiu as forças disponíveis em quatro grupos instalados em pontos estratégicos. Sobre o clima vivido na referida data, o historiador João Francisco, faz a seguinte citação: “Era anoitecer do dia 08 de fevereiro de 1926 em Piancó”. Quase cessando o movimento de pessoas nas ruas da Vila. Duvida e apreensão absoluta pairava na mente de todos. Ao longe os cães latiam como que estivessem anunciando a chegada de uma pessoa estranha ou a partida de seu dono. Na Sala Principal da casa, residência do Padre e Família, os mosquitos circulavam as lâmpadas que iluminava o ambiente tenso. 
Prefeito João Lacerda
Osvaldo Lacerda
Sentados em circulo, o prefeito João Lacerda, seu filho Osvaldo Lacerda, Manoel Clementino (escrivão do então distrito do Aguiar), Hostilio Gambarra (distribuidor em juízo), Pedro Inácio Liberalino, José Ferreira e o Padre Aristides Ferreira da Cruz. Falavam-se pouco, sempre conversas entrecortadas, nunca um diálogo demorado. Entra na sala uma senhora, de aspecto servil e em silencio, distribui café e chá aos presentes. Era dona Quita senhora do Padre e mãe dos seus quatros filhos então adolescentes: Jorge, Sebastião, Aristides e Joanita. Novamente a sós, o silencio imperava. Aqui, acolá uma frase curta. Todos sabiam do risco de continuar na cidade. O mais sensato seria procurar sair em busca de proteção, mas longe de tentar convencer o padre dessa ideia. Logo um alvoroço, uma agitação e entra alguém informando a chegada do cachorro de estimação do senhor José Maria, irmão de D. Quita, e que residia em Coremas. Todos quiseram saber quem o cachorro acompanha. O temor aumentou quando se soube que este havia aparecido sozinho. Alguém devia estar chegando do vizinho município, pôr onde a coluna de revoltosos havia passado naquela manha. As horas avançavam feitas chamas. Logo Chegaria o momento da despedida, das recomendações e do adeus. Estava já acertado. Dona Quita e os filhos e os empregados deixariam a casa logo mais, permanecerá o Padre mais alguns amigos. 
Na manhã seguinte, outros que também resistiram, estavam sendo aguardados. Em meio à agitação gerada em torno da chegada do cachorro, surge a porta, um jovem, apressado, e pede a presença do padre. Uma vez atendido, o mensageiro se identificou e entregou-lhe um papel meio amassado e úmido de suor, com um escrito que dizia: “Não tente resistir, é uma ideia absurda”. Passa de mil homens com armamento a disposição alguns até com aparente falta de disciplina. “Desde a manha de hoje Coremas foi invadida por um exercito de guerrilheiros desalmados, cruéis”. A sala se encheu rapidamente, todos apreensivos fitavam o padre, no seu rosto um a nítida expressão de tristeza. Ele sabia todos mais uma vez tentariam convence-lo a deixar a cidade, agora com argumento mais sensatos. A aflição do padre poderia ser notada também no semblante desolado de D. Quita e dos filhos. Todos temiam o pior. 
Padre Aristides
O Padre Aristides estava dominado por uma sensação de impotência. A ideia de abandonar a cidade não era nada de honroso para um chefe político da sua envergadura. Dúvida cruel. Enquanto o seu orgulho de homem público e de defensor do povo e da cidade, forçavam-no a ficar, uma porção de medo de perder Quita e os filhos, levava-o na possibilidade de fugir. Os amigos foram unânimes. 
O Padre Aristides devia sair com a família, deixasse um grupo de homens de confiança protegendo a cidade. E instantes depois o Padre consentiu em acompanhar os seus familiares a uma fazenda distante, até os revoltosos saírem de Piancó. O temor da separação deu lugar à agitação da arrumação dos objetos que levariam na viagem. Já havia alegria entre os presentes na casa grande. As carroças e os animais que seriam usados no transporte da família foram conduzidos ate a porta da frente. Um levava, outro trazia, outro escutava, mas, o Padre continuava pensativo, distante dali, alheio ao que se falava na vasta sala, pelas janelas fronteiriças seu olhar vagueava mundo a fora. O tigre acuado em sua própria morada. Recordou o episódio marcante de 1922, fazia quatro anos, teve que fugir e buscar junto ao Presidente Epitácio Pessoa, seu chefe, proteção para voltar a assumir o poder do município, foi a mais cruenta e desastrosa contenda com a família Leite. 
Agora teria que fugir de novo. E o telegrama do governador João Suassuna. Era a oportunidade ideal de conquistar a simpatia do governante, que por sua vez demostrava, mas aproximação com os seus inimigos políticos. Não podia também decepcionar a população local, deixando que os seus bens fossem saqueados e destruídos. Há instantes da partida votou atrás e mudou de ideia. Bateu o pé e não saiu além da calçada para despedir-se da família. Era esperada uma reação de descontentamento dos amigos o que se deu certamente, mas não convenceu e o Padre ficou. 
O inevitável cerco aconteceu por volta das 08h00min horas da manha. Mais de mil homens revoltosos, conduzidos em cavalos recebiam a ordem para avançar contra todos os legalistas. Dois deles bem trajados e armados partem na frente e são recebidos as bala pelo Sargento Manuel Arruda, que em um tiro certeiro faz um deles tombar sem vida. Estava desencadeado o maior confronto de todos os tempos, que minutos após já computavam 56 feridos de ambos os lados. 
A desigualdade era eminente e a ação da fuzilaria que mais parecia um rolo compressor conseguiu espantar os que ainda resistiam na cidade. Completado o piquete as famílias haviam fugido e grandes partes dos voluntários da luta, desertado. Somente os que ainda se encontravam na casa do Padre Aristides resistiam enquanto o cerco aumentava em proporções assustadoras, chegando a quase cem por um. O sacerdote comandava a operação quase perdida disposta a queimar o último dos seus cartuchos. Ao lado de doze companheiros fieis empunhava uma pistola na mão direita, vestido de branco. Era mais ou menos 15h00min horas quando as esperanças começavam a dar sinais de fragilidade. Nesse momento a tentativa de atear fogo na residência utilizando gasolina era abortada com a morte do Sargento Laudelino, atingido com um abala na cabeça. Era também o instante de encarar a falta de munição para enfrentar os foras da lei. Duas bombas de gás asfixiante foram lançadas no interior da casa, provocando desmaio em Ana Maria de Lima a senhora convidado pelo Padre para fazer a comida do povo, que a essas alturas já era tomado pó rumo a enorme dor de cabeça. A invasão do recinto já estava consolidada com centenas de rebeldes arrombando as portas e janelas, se precipitando casa adentra e cumprindo a ordem de pegar a unhas o líder e seus companheiros. 
Em 1926, barreiro de lama, agora Monumento aos Mártires de Piancó
Começava então a “Via Crucis” contra o prefeito João Lacerda e seu filho Osvaldo Lacerda; o funcionário Público Manuel Clementino e seu filho Antônio; Rufino Soares, Joaquim Ferreira, José Lourenço, Antônio Leopoldo, Juvino Raimundo, Hostilio Túlio Gambarra, Vicente Mororó e o Padre e deputado Aristides que pedia para todos garantia de vida, o que só foi concordado até a entrega das armas pelo grupo solicitado. Os dominados são conduzidos para perto da cidade, a uma distancia de duzentos metros onde existia um barreiro, escolhido como o palco da matança. A Sequência do sacrifício é anunciada para as centenas de Prestistas que compunha o enorme cerco. Primeiro os mais humildes, depois os comerciantes, em seguida o prefeito e pôr ultimo o Padre. Todos foram sangrados e os seus corpos jogados no pequeno depósito natural de água. Padre Aristides, no entanto, antes do golpe final na goela foi esmurrado no rosto, apunhalado nas costas, no peito, em partes intimas e em pleno martírio conseguiu reafirmar a sua crença de religioso, dizendo-se um apostolo de Deus. 
O Poder destruidor da Coluna Prestes não poupou o patrimônio de Piancó. As casas foram saqueadas, os prédios públicos destruídos e incendiados com a utilização de milho seco do senhor Paizinho Azevedo, moveis do Conselho Municipal e papeis da agencia dos correios. O comercio passou por um completo processo de destruição. A população conseguiu salvar apenas a roupa do corpo. Os prejuízos foram calculados em mais de dois mil contos. 
Dona Antônia César foi a única a mulher que ficou em Piancó no dia da chacina. “Durante depoimento contou que após a tragédia se dirigiu ao local para ver o padre morto.” Tinha um buraco medonho na goela. Metade do corpo dentro d’água metade de fora. Quando eu reparava no corpo dele, um “cangaceiro arrebatou o candeeiro da mão e derramou gás na cara do padre”. Queria queimar o pobrezinho. Eu tomei o candeeiro das mãos dele. Não deixei que tocassem fogo. Pedro Inácio foi um dos sobreviventes da chacina. Estava dentro da casa do Padre quando começou o tiroteio e viu a morte no caminho. Acabou sendo o único sobrevivente pela sorte de ter conseguido fugir sem ser notado. Foi ele o responsável pelo sepultamento dos mortos no dia seguinte. Devido ao alto grau de destruição da cidade promovido pelos revoltosos, o processo de reconstrução foi difícil e demorado.

Advindo do Livro Os Mártires de Piancó, fotos do Google e de arquivos pessoais por Hosmá Passos da Silva Filho

Nenhum comentário:

Postar um comentário